"Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar - a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas."
Eu falo falo falo e vou falar sempre sobre a leveza! E a Clarice fala muito mais! A tal leveza que, quando alcançada, desmorona. Justamente por ser insustentável... Mas por que a leveza é inconstante assim? Será que não a suportamos? Será que preferimos o peso? Quando tudo está indo bem já pensamos "quando a esmola é demais, o santo desconfia!". E desconfiamos o tempo todo quando algo está bom! Não acreditamos ser possível, então começamos a nos questionar, a colocar empecilhos, os traumas vêm, a memória não nos deixa em paz, questionamos sobre a entrega, sobre o futuro, sobre o que vamos sofrer, no que aquilo vai dar e aí já se foi a tal leveza... Aí já não podemos mais vivê-la, senti-la, porque colocamos peso sobre ela! Parafraseando algo que li hoje, talvez o peso seja senão a leveza que adoeceu gravemente.
E como esse assunto tem sido objeto de reflexão nas últimas semanas, resolvi reler um texto da Clarice que li há muito tempo, e acho que já falei tudo sobre ele! Se chama "Por não estarem distraídos". Acho que é justamente a distração que nos deixa leve... Quando o pensamento, que quer raciocinar tudo (condicionado que ele é), interfere, acaba com qualquer sentimento que possamos ter! Queremos entender tudo o tempo todo! E isso estraga uma grande parte da nossa vida...
Sentimentos não são passíveis de explicação. Podemos recorrer ao por quê de sentirmos assim ou assado e acredito que tenham algumas respostas. Mas isso não faz a menor diferença, porque não podemos mudar o que nos levou a sentir assim, assado ou não sentir. Se torna espontâneo... Intrínseco. Temos que aprender a conviver da melhor forma com o que sentimos!
O que nos resta é não ter medo da desorganização e não tentar organizar tudo! Não dar forma pro que se sente, pro que se vive... Deixas as coisas acontecerem sem a nossa bendita mania de catalogar, rotular!
"Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo, e como uma cega perdida num campo. Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar. Essa coisa corajosa que será entregar-me, e que é como dar a mão à mão mal-assombrada do Deus, e entrar por essa coisa sem forma que é um paraíso."
Talvez o paraíso esteja aí, quando nos entregamos ao infinito, sem querer delimitar, dar forma.